domenica 24 marzo 2013

O POVO SEM IDENTIDADE

 
Eu pertenço a um povo sem identidade.
Para chegar a essa conclusão nem foi necessário esforçar muito os neurónios. Basta somente fazer uma análise (nem sequer muito aprofundada) dos eventos que caracterizam quotidianamente a sociedade angolana.

Pertenço a uma sociedade onde é mais bonito e conveniente chamar-se Raul da Costa, porque se te chamas Matuvanga Xinamuti terás uma infância praticamente traumatizada pelas tantas "estigas" recebida pelos colegas, e pelo sofrimento psicológico em pronunciar o teu nome em público. A solução, que já pude ver muitos a adoptarem, é mudarem de nome quando têm a possibilidade de o fazer. Talvez transformado o "Matuvanga Xinamuti" em "Mateus Xavier", assim fica mais ocidental.
O que muitas vezes nos esquecemos é que Mateus Xavier é um nome português, que portanto, identifica um português. Imaginemos um chinês, com todas as características físicas de um chinês, que ao perguntarem o seu nome responda: chamo-me Pedro da Silva. Todos os que o ouvirem ficarão surpreendidos. Se essa resposta for dada num território distante da China todos pensarão que é um português. Assim como se a resposta for dada no território chinês, a impressão geral será que apesar de ser filho de chineses, o mesmo deve ser um estrangeiro. Tenho a certeza que esse chinês nunca se orgulhará de dizer o seu nome português no seu país, porque deste modo é como se estivesse a ostentar o orgulho em ser colonizado e aculturado.
Mas em Angola acontece o absoluto contrário. Nos orgulhamos em possuir nomes portugueses, e nos envergonhamos dos nossos próprios nomes tradicionais. Socialmente não são nomes apreciados, e a desapreciação poderá ser notada até no local de trabalho. E nem nos apercebemos que deste modo estamos a ostentar mundialmente o orgulho que temos em termos sido colonizados pelos portugueses, e consequentemente termos abandonado as nossas origens. E eu assim me pergunto, que tipo de identidade é essa?

Pertenço a uma sociedade onde é muito mais elegante vestir-se a maneira ocidental. Nesse campo invejo os indianos e os árabes, que apesar de muitas vezes cederem ao fascínio ocidental, não deixam de manterem bem firmes o modo tradicional de se vestir, afirmando desse modo a preservação da própria identidade. Devo sublinhar que essa tendência não é somente angolana, visto que também se verifica em muitos países africanos e não só. Mas em Angola, sobretudo na capital, exagera-se muito.

Pertenço a uma sociedade onde falar línguas nacionais na capital é praticamente um delito. Tente cortejar uma moça depois de ela te ter visto a falar kikongo ao telefone com um amigo! Ela associará logo o facto de estares a falar uma língua nacional com o analfabetismo, com o atraso social. E nem sequer nos preocupamos em aprender as nossas línguas. É mais bonito saber falar perfeitamente o português, o inglês ou francês. Mas a tua língua, aquela que te identifica, nem sequer uma frase sabes formar. Mais uma vez, que tipo de identidade é essa?

Por último, pertenço a uma sociedade onde apesar de tudo a cor da pele ainda conta bastante. Uma sociedade onde "estás claro" é um elogio e "estás escuro" é uma crítica negativa. Não me refiro ao racismo, mas à aquela necessidade frenética em querermos ficar com a cor de pele mais clara.
Esse é o ponto mais crítico e mais desolador, para mim, porque é o mais difícil de se abater. Não existe nenhuma acção governativa que possa incutir na mente das pessoas que a beleza não depende da cor da pele.
Todos os dias deparo-me com pessoas que andam a procura da claridade para a pele. Pessoas que quando apercebem-se que estão a ficar cada vez mais escuras desesperam-se. E pior ainda, os mais claros de pigmentação riem-se dos mais escuros de pele, esquecendo-se que é somente "cor da pele", e que sobretudo estamos no continente africano, onde por regra a cor básica devia ser a cor negra. Como disse, não me refiro a discriminação racial que inexplicavelmente ainda existe Angola, mas àquela convicção psicológica de que a cor clara é mais bonita que a cor negra. É como se um dálmata estivesse convencido que o Pastor alemão fosse o mais bonito, sem saber que são duas raças diferentes, nenhum é mais bonito que o outro, mas trata-se somente de uma questão de gostos. Tem quem prefere o dálmata, assim como tem quem prefere o Pastor Alemão. Mas infelizmente, desde que nascemos, já crescemos com a ideia de que cor a clara é mais bonita, e vivemos na irrefreável luta para ter uma cor mais clara possível, e como se não bastasse, ainda lutamos para que os nossos filhos sejam mais claros que nós.

Por isso chego a conclusão que nós angolanos somos um povo sem identidade. Um povo que se orgulha com a semelhança que ganhou dos colonizadores, que luta para tornar-se como eles. Um povo que ignora frequentemente a beleza da própria cultura e tradição, e apega-se com uma tremenda facilidade às culturas ocidentais. Esta não é identidade.

Eu chamo-me Deslandes Armindo Monteiro, visto-me de maneira ocidental e não falo nenhuma língua nacional. Por isso, com tristeza no coração, afirmo que não tenho identidade. E infelizmente pertenço a um povo também sem identidade.



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